Quem somos nós senão seres repletos de solidão? Como posso eu, portanto,
falar de um nós já que o outro que me correspondo me é tão desconhecido e somos
intransmissíveis em nosso sentimento? A Comunicação, desse modo, parece algo infrutífero,
senão impossível! No entanto, tentamos desesperadamente nos comunicar...
E se o problema está no sentimento, em como transmiti-lo, a resposta
também parece vir dele. O Amor se assemelha a um desses momentos em que duas
solidões tentam se encontrar e se relacionar. Mas o quanto de nós pode ser
transmitido ao outro? Não seria algo enganoso dizer que nos ‘unimos’ ao outro,
que há, de fato, uma troca entre dois seres? O que eu sinto me parece tão
propriamente meu, tão incomunicável ao outro, que me parece impróprio falar de
um ‘nós’. Entretanto, se não há um nós como pode haver amor? Quando eu digo ‘eu
te amo’, é preciso que haja um outro que seja objeto desse amor. Mas o que é
esse outro que amo e que nada dele pode ser por mim conhecido? Como hipótese
para um esboço do caminho a ser percorrido, se quisermos alcançar uma resposta,
proponho o feixe temporal.
Vivemos em uma realidade temporal que chamamos de nossa e a
presentificamos em nossas mentes. O passado dessa realidade é memória e o
futuro a ordem posterior dos acontecimentos. A esse ente que atravessa essa
realidade temporal chamamos de ‘eu’, isto é, uma unidade psíquica conhecida
também como ‘indivíduo’. O que aconteceria se pudéssemos colocar, ao invés de
uma, múltiplas realidades temporais? Teríamos inúmeras possibilidades para esse
eu, de modo que ele não poderia mais ser chamado de indivíduo, já que não mais
seria uno. Esses múltiplos ‘eus’ compõem um feixe
temporal:
Eu (Feixe Temporal)
Se pudéssemos, em hipótese, partir do centro desse feixe para qualquer uma
das direções teríamos diante (atrás, do lado, em cima, etc.) inúmeras
possibilidades que nunca esgotariam a novidade existente do mundo. Estaria o eu
nascendo a cada momento para a eterna novidade do mundo. Tomar uma nova direção
é escolher um outro caminho em que novas experiências nos abririam e uma
realidade temporal diferente da anterior nos seria possível. O que esperar
dessa realidade? Impossível dizer, mas com certeza algo totalmente inesperado.
Somos uma existência (ou seriam existências?) ainda inexplorada, presos
a uma única realidade temporal que nos faz indizíveis todas as outras possíveis
realidades. Que seria de nós se nos arriscássemos a viver algo novo, realmente
estrangeiro, que nos viesse visitar e nos levar toda a nossa tranquilidade, toda
a comodidade que nos cerca? Provavelmente sentiríamos tamanho incômodo que
iríamos querer que o estrangeiro fosse logo embora e nos abandonasse para que
pudéssemos novamente viver ‘em paz’. Mas a que preço? Por que devemos estar
presos sempre ao mesmo, sem explorar as diversas realidades que nos apresenta a
vida? Quão perspicaz é o prisioneiro de Poe em “O Poço e o Pêndulo” que explora
cada detalhe de sua cela, mesmo que isso signifique arriscar sua vida. Nós, que
não somos prisioneiros, vivemos presos aos mesmos hábitos, aos mesmos gostos,
aos mesmos caminhos... Não deveríamos dar uma oportunidade para a vida e a gama
de possibilidades que essa nos pode apresentar?
O Amor é um daqueles momentos ricos onde o estrangeiro vem nos visitar,
que devemos arriscar seguir o novo e viver uma nova realidade temporal. Estamos
todos em transição, em constante transformação; é incerto o que podemos
encontrar a nossa frente. Podemos avançar por caminhos difíceis e tortuosos
rumo a temporalidades diferentes. E o que pode acontecer disso? Talvez o
encontro de solidões ricas em experiências, que não temem o estranho
estrangeiro, juntas possam olhar para a Beleza da vida e, com isso, possam
encontrar um no outro o momento eternizado por Winckelmann nas palavras de Thomas
Mann em que “existe um só momento em que a pessoa bela é Bela”. Talvez disso
dependa a nossa própria felicidade.