segunda-feira, 21 de junho de 2010

Walter Benjamim, o cinema e a reprodutibilidade técnica

WB indica dois momentos da arte anteriores ao cinema: antes e depois da reprodutibilidade técnica; e indica também duas espécies de valor para a arte: o valor de culto e o valor de exposição. Cabe, então, explicar esses conceitos. A reprodutibilidade técnica é a capacidade que obtivemos ao longo da história de reproduzir cópias de obras de arte (e outros objetos) em série. Dos valores das obras, no valor de exposição, a qualidade da obra está ligada à quantidade de pessoas que poderão vê-la; e no de culto, o valor dado à obra de arte advém de sua autenticidade e de sua aura, ou seja, de sua existência única preservada pela tradição e na sua capacidade de incitar certo recolhimento (um tipo de introspecção com fruição da obra) no observador.

Nas obras de arte anteriores à reprodutibilidade técnica, o valor de culto superava (em importância) o valor de exposição, como no caso de pinturas, esculturas, e afins. Essas peças era “cultuadas” justamente por causa do tempo que a tradiçao conseguiu manter existindo a obra e por causa de sua existência única, que por essa unicidade conferia grandes dificuldades para quem a quisesse apreciar. Além disso, a obra era estática, o que incitava todo um aparato perceptivo próprio, que induzia ao recolhimento.

Ele apresenta também, das formas de arte precedentes ao cinema, mas posteriores (ou melhor, contemporâneas) à reprodutibilidade técnica, como a xilogravura, a litografia, a fotografia etc. Nestas já não conseguimos indicar uma existência única, porque todas são feitas em série, para serem iguais e sempre em novos modelos. Isso inseriu mais as massas nos “domínios da arte”, já que as obras se tornaram de mais fácil acesso e de grande diversidade. Isso nos mostra um aspecto destrutivo na arte na era da reprodutibilidade técnica: a “liquidação do valor tradicional do patrimônio da cultura”.

Aqui, então, o valor de culto começa a decair e o valor de exposição começa a aumentar. E com a fotografia, quando o homem se retirou dela e ela passou a ser não apenas foto de familiares ou semelhantes, finalmente o valor de exposição supera o de culto. Com ela também pela primeira vez liberamos a mão do trabalho artístico para se utilizar do olhar, o que nos obrigou a uma modificação do aparelho perceptivo, a fim de conseguirmos apreender “novas realidades”, como ângulos diferenciados, câmera lenta etc.

De modo semelhante à fotografia, o cinema também altera a percepção humana, mas além de ângulos diferenciados, câmera lenta e toda a fotografia própria dele, ele apresenta uma série de imagens em seqüência, que direcionam nossa concatenação de idéias, dificultando (ou até impedindo) o recolhimento, que era possível nas formas de arte anteriores. Além disso, ele levou a modificação (causada pela reprodutibilidade técnica) a níveis altíssimos, levando o valor de exposição a ser aquilo que mais importa nesta forma de arte, pois que um filme é muitíssimo caro, e assim, é feito para ser reproduzido. Isso tudo causou uma nova forma de participação na arte: agora as pessoas se reúnem em massa frente à obra, o que era impensável nas obras auráticas, e em vez de recolhimento é por distração que as pessoas vão ao cinema.

Então, nesse mundo de homens submetidos a máquinas em seu trabalhos e de guerras alimentadas pela técnica, cabe explicitar a função social do cinema: conseguir criar uma harmonia entre homem e máquina. E por que é atribuída a ele essa função?, poderíamos perguntar. WB responderia que existem dois grandes fatores para que façamos essa atribuição: o modo como o homem se representa diante do aparelho (câmera) e o modo como o homem representa o mundo por causa dele. Ambos são feitos de maneira extremamente artificial (técnica), fragmentada e não aprazível esteticamente; contudo ao ser visto (o filme), se dá de maneira natural, contínua e como objeto de distração.

Essa função é necessária, porque o homem avançou demais com a técnica de uma maneira não-natural, chegando ele mesmo a ser o submetido. O cinema equilibraria essa balança, pois que a massa cansada da contínua submissão às máquinas em sua vida, teria no cinema a grande vitória contra a técnica: frente às câmeras o ator cinematográfico afirma sua humanidade e coloca o aparelho técnico a serviço do triunfo da humanidade sobre a máquina.